sexta-feira, 26 de junho de 2009

O Cordão umbilical, a transformação e a cozinha.



paloma perez 2006 serie maternidade, colagem FORMICA s/MDF, 228X95cm

Quem me conhece um pouco, sabe do meu lugar preferido de casa... A cozinha.
Tão preferido que tenho um som instalado, com músicas escolhidas para me fazer feliz (podia ganhar mais).
Outro dia chega um amigo, foi me dar um beijo, eu na cozinha, claro. Ele para e pergunta, como nunca pensei nisso antes?
Ainda longe do ideal, um dia minha cozinha será no meio da sala de estar. Mas, este é outro assunto.

Cresci em um lugar que sentar para comer era um ritual. Dos melhores possíveis. Lugar para se encontrar, trocar idéias, saber do outro... Existiam contradições, diferenças, conflitos e às vezes brigas.
Este em especial é um hábito cada vez mais esquecido. Será falta de tempo? Ou quem sabe, o que me assusta mais ainda, preguiça? Ou preferir comer assistindo TV, quem sabe jogando?

Aqui em casa foi e é tarefa a ser ensinada e aprendida. Não com o filhote já crescido e acostumado com o tal ritual. E sim com os que foram chegando ao longo dos últimos 6 anos.
Um dos meus meninos ainda não compreende. Fica feliz da vida quando em uma das raríssimas vezes deixo comer no quarto ”jogando” ou no computador.

Uma psicóloga e educadora a quem prezo escreve:
“ Tenho observado a dificuldade que muitas crianças têm de falar com adultos e pares olhando para seu interlocutor. Elas falam e olham para o lado, para baixo e até para além da pessoa com quem conversam, mas o olho no olho parece ser desagradável, difícil para elas.
Talvez seja porque estão acostumadas a olhar para a TV ou para o jogo enquanto conversam com os pais ou se alimentam.
O horário das refeições é o melhor pretexto para reunir a família porque ocorre com regularidade e de modo informal. E, nessa hora, os pais podem expressar e atualizar seus afetos pelos filhos de modo mais natural, além de construir o ambiente acolhedor que permite aos mais novos perceber com clareza que aquele é seu grupo de referência e de pertencimento.
As refeições em família são um excelente momento para transmitir tradições familiares aos filhos: quais alimentos aquela família prefere e quais são os seus modos usuais de preparação, como se comporta à mesa, quais assuntos costuma abordar durante a refeição, o tom de voz usado, como os membros se tratam. Tudo isso é apreendido pelos mais novos, que podem encontrar seu modelo de identificação familiar e ter contato com o conhecimento construído pelas gerações anteriores da família.
O horário das refeições também pode servir, para que os filhos saibam mais sobre a rotina profissional dos pais e para que estes ouçam sobre a vida escolar e social dos filhos sem cobranças.
Por que estamos nos tornando comedores solitários? Por que aceitamos a idéia de que o alimento é mais importante em seu aspecto nutricional do que social? Por que a TV e o computador são nossas companhias preferidas no horário das refeições?
Pelo jeito, temos muito a refletir sobre esse assunto.”

Este texto faz sentindo as minhas brigas internas. Será que só eu percebo?
Não, ontem mesmo fiquei surpresa. Decidi que iria jantar mais tarde, quando me desse vontade. De vez em quando é bom... Foi “ato-falho” eu sei. Queria testar.
As perguntas chegaram.

Você não fez jantar para todo mundo? Sim, eu fiz...
Ah eu sei que fez para todos, não vamos comer juntos? Hoje não, vou comer mais tarde.
Mas?

Fico entre a cruz e a caldeirinha... Quero agradar e manter os hábitos que já existiam. Por outro lado gostaria de mostrar outros prazeres. De mostrar que conversar é gostoso e que conflitos fazem bem. No mínimo para nos ensinar a passear na vida.
Nesta tarefa sinto solidão, porque o instinto de proteção, com o filhote que agora se aconchega, não permite. Parece que faço errado, ou da maneira menos “acostumada”.
Aqui entra o cordão umbilical.
Entendo que os filhos nascem para a vida própria quando o cordão umbilical é cortado na hora do parto. Daí em diante, é tarefa nossa reafirmar esse corte.
O que fazer quando isso não aconteceu?
Como ajudar, sem dar a sensação de estar atrapalhando?
Com carinho, amor, segurança... Será que tem receita?
Continuo achando que educar é compromisso com o futuro e não com o presente. O atender agora, compromete o futuro de quem queremos bem.

Diferente dos olhos vendados que sinto na maioria, estarei de olhos bem abertos – mesmo errando. Gostaria muito que os meninos não fizessem parte da nova geração de jovens frágeis, dependente dos pais e de outros adultos, que têm dificuldades em assumir responsabilidades e encarar a maturidade.

Só sei de meu instinto, que muitas vezes aparece somente quando estou adormecendo e com a missão do dia cumprida. Naquele horário em que percebemos tudo de errado que havia feito durante o dia, como qualquer mãe. E naquele mesmo horário que se da conta do quanto amamos aquelas pessoas.

Tenho orgulho de meus meninos! Muito... A festa junina na escola foi linda! Do mais velho sei, que a única coisa que espero, é que neste momento de transformação, os acidentes sejam os menores. Ver ele dançando quadrilha, nos altos de seus 1,90m e tantos foi emocionante. As vergonhas se foram, assim como “o que os outros acham”. Meu pequeno, o “pingo” , que resolveu trabalhar o dia inteiro, vendendo em uma barraquinha. De touca (sim aquela que não permite cabelos caiam nas comidas) e com chapéu de palha, estava todo engajado com a “causa”. Corajoso e responsável ficou ate irmos embora. Tomara que no futuro ele entenda o meu carinho.

Sabem o que me fascina no ato de cozinhar? A transformação. Como é que pode um punhado de farinha, queijo, ovos e leite transformarem-se num dourado suflê? Essa transformação, para mim, parece mágica. Mágica que podemos fazer com nossas mãos.
Essa é a ponte, para mim, entre educar e cozinhar: a transformação que podemos produzir nas duas atividades, uma tão distinta da outra, mas com tantas características em comum.

Quem cozinha precisa ser paciente e persistente; quem educa também. Para cozinhar é preciso prestar atenção em todos os detalhes; para educar também. Cozinhar é um ato de extrema generosidade; educar também. Cozinhar dá um trabalho danado; educar também. Para cozinhar é preciso despir-se de todos os preconceitos; para educar também. E a lista dos ingredientes não pára por aí. Assim como o não dar certo em determinado dia.

Espero que eles aprendam que em toda transformação existe a boa surpresa. Mesmo não sendo a que esperamos.

Vou fazer jantar!

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