sexta-feira, 19 de outubro de 2007

aOs quarenTA

imagem paloma perez
texto neysa prochet


O que falar sobre a mulher aos quarenta? O que dizer que já não tenha sido exaustivamente discutido sob as mais diversas vertentes – sociológicas, psicológicas, existenciais? O que torna essa etapa de vida particularmente merecedora de tanto interesse? Herbert Prochnow sugere que talvez seja porque “os jovens e os velhos tenham as respostas. Quem está no meio do caminho fica com as perguntas”.

Embora qualquer época vivida, se vivida na acepção mais plena do termo, faça o mesmo, o período que se estende entre os quarenta e os cinqüenta anos é uma fase marcante na história pessoal de uma mulher. Como na adolescência, o corpo, mais uma vez, começa a se transformar, apesar das múltiplas precauções que o zelo físico e as biotecnologias, preocupação pós-moderna, oferecem. Percebe-se ou é antevisto, algo que, se antes era quase uma ficção, passa a ser uma realidade tangível e ameaçadoramente próxima – envelhecer é um fato da vida e acontece com todos, sem exceção, exceto, é claro, quem morre antes.

Numa sociedade que hipervaloriza a estética, a juventude e a rapidez, envelhecer pode ser uma experiência assustadora se o passar do tempo parece ser uma ameaça à integridade de ser e à auto-estima. Se as mudanças colocam em risco uma integridade essencial, serão vigorosamente rejeitadas, numa proteção aflita e inútil contra algo que escapa ao controle, a passagem do tempo. Por isso, hoje, não é possível mais falar apenas de infância, adolescência, vida adulta e velhice. O esforço de perpetuar um estado de juventude propiciou o surgimento de uma condição que podemos chamar de adultescência, termo criado a partir da fusão de duas etapas clássica: a vida adulta e a adolescência.

Segundo David Rowan, em Um glossário para os anos 90, adultescente é aquela pessoa imbuída de cultura jovem, mas com idade suficiente para não o ser. Geralmente entre os 35 e 45 anos, os adultescentes não conseguem aceitar o fato de estarem deixando de ser jovens.

Levamos cada vez mais tempo e dedicamos mais esforços para postergar as transformações corporais inerentes ao viver humano. Levamos tanto tempo para aprender a conviver com as mudanças que, quando aprendemos, já está muito tarde para termos usufruído do prazer de vivê-las, no esforço de adiá-las, indefinidamente. Tempos de mudança são sempre complicados e só passíveis de serem tolerados se, dentro da mutabilidade inevitável, uma certa estabilidade é obtida, um ponto de equilíbrio onde o indivíduo possa se apoiar, uma área de sustentação durante o processo de transformação. Falo da possibilidade de poder ser a si mesmo, sem ter de, necessariamente, ser o mesmo, sempre.

A fase dos quarenta talvez seja um dos períodos em que fiquemos mais conscientes acerca da importância do tempo em nossas vidas. Mais ou menos como acontece na adolescência, parece ser um tempo entre tempos, com a diferença de que o apogeu da vida adulta, em vez de ser uma meta a ser alcançada no futuro é um presente que precisa ser mantido a todo o custo, pela possibilidade aterrorizante de se converter em experiência passada.

Falar desse tempo é como olhar num espelho que está a dez centímetros do próprio rosto. De imediato, o que chama a atenção são as marcas do tempo numa face desconhecida. É o que acontece quando se está próximo demais do fenômeno a ser observado. Perde-se a visão do conjunto em detrimento à percepção aguda do detalhe.

É só depois da estranheza e da recusa que, aí sim, por meio do afastamento que a estranheza provoca, podemos estabelecer certa distância e identificar, com alguma serenidade, a face daquele estranho que nos observa e que também parece familiar, e nele reconhecer, juntamente com o rosto da maturidade, a criança e o jovem que um dia fomos. A bagagem de uma boa parte da vida está ali, nos traços mais marcados, no corpo menos jovem, a pele com menos viço. Mais curioso ainda é descobrir que eles, a criança e o jovem, na verdade, nunca se foram. Apenas não são mais os protagonistas dos acontecimentos cotidianos. Cederam seu lugar àquele rosto maduro, desconhecidamente conquistado, mas que nos pertence integralmente.

Aí vem o prazer. O prazer que advém de prescindir cada vez mais da aprovação alheia, tão necessários na juventude, mas dispensáveis, em grande parte na maturidade. Vem o prazer de perceber que o amor e o ardor não dependem da carne firme ou da pele jovem ou mesmo do nível dos hormônios, mas daquilo que vem de dentro da gente e que “não tem descanso, nem nunca terá, que não tem cansaço, nem nunca terá, que não tem limite” (Chico Burque/"O que será"). Vem da força de ter sobrevivido aos tempos difíceis e de ter saído deles renovado e mais forte.

Vem do prazer de saborear os momentos de felicidade, das pequeninas coisas, de abrir mão da urgência, do agora ou nunca, de poder se perguntar diante de algo que o incomoda: qual o valor disso, daqui a um ano? E, dependendo da resposta, poder escolher o que fazer ou dar de ombros e dizer: dane-se! Vem da percepção de que o tempo não é um inimigo a ser combatido, mas um grande aliado, se reconhecido como tal. Ele nos dá muito, só não trabalha numa clínica estética.

Vem de poder dizer: era bem legal lá atrás, mas eu prefiro agora.

set. 2004

Ainda não tenho quarenta... Chegarei mais feliz depois deste texto.

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